OS AMORES DOS SOLDADOS
Os primeiros amores eram as mães. Depois vinham os outros, as esposas, as namoradas, as pretendentes a namoradas, as madrinhas de guerra, e os não correspondidos.
Todos ausentes.
Nós, só tínhamos vinte anos, e muitos, mas mesmo muitos amores para serem vividos. A merda era a guerra.
Estávamos metidos nela até ao pescoço. Trocaríamos o que tínhamos, por meia hora de carinho. Um abraço, em beijo, uma carícia. O outro lado da guerra, a guerra dos sentimentos, a guerra das ausências. Meses, sem ver uma mulher, sem ouvir uma voz feminina. Imaginávamos, sonhávamos, revivíamos.
Pagamos o amor, cronometrado. Fantasiávamos. O sexo e a guerra, o grande tabú de todas as guerras. É melhor não falar. Ignorar, como se a tropa fosse uma cambada de eunucos. Eles sabiam que só tínhamos vinte anos.
- Tenho saudades de me deitar com a minha mulher. Enrolar as minhas pernas nas dela, tocar-lhe.
- Hoje é a festa da aldeia, se lá estivesse dançava a noite toda com a minha namorada.
- Quando formos para uma cidade, arranjo uma gaja. Branca ou negra, pouco importa.
- Tenho medo de apanhar alguma doença.
- Não se esqueçam da palestra do Capitão, não se esqueçam do que ele disse. " Utilizem a mão direita do prazer e não se metam em encrencas."
Lembro-me de todas estas conversas. Um ano depois estou em França, estou em Paris. Parece que se passaram muitos anos. Estou no pós Maio 1968, estou numa cidade, onde se grita, a plenos pulmões - " É proibido... proibir."
O que vivemos, vivemos. Os que voltaram, voltaram. Eu, não me esqueço. Seria muito fácil dizer....o que passou...passou.
Nunca o farei, continuarei a dizer que nos roubaram dois anos, que nos roubaram os nossos amores, o das mães, das nossas mulheres, das namoradas, das pretendentes a namoradas, das madrinhas de guerra, e os não correspondidos.
Apontamentos - Moçambique. 1968
Paris - 17 de Setembro de 1970.
SOLDADO CONDUTOR 044483/667 - MOÇAMBIQUE - 1967 / 1969.
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