quarta-feira, 4 de outubro de 2023

AINDA EXISTEM MAIS DE 400 MIL EX-COMBATENTES VIVOS?

O conceito de antigo combatente, do ponto de vista legal, não se restringe aos ex-militares que participaram na chamada 'guerra do ultramar', incluindo também aqueles que estiveram nos territórios de Goa, Damão, Diu, Dadra e Nagar-Aveli (aquando da anexação pela União Indiana); Timor -Leste (entre o dia 25 de abril de 1974 e a saída das Forças Armadas portuguesas), bem como os militares que tenham participado em missões humanitárias.

Porém, a guerra colonial é genericamente considerada como a que decorreu em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, entre 1961 e 1975, territórios para onde foi mobilizada a esmagadora maioria dos designados ex-combatentes.

O número de militares – de carreira ou recrutados à sociedade civil – chamados a este conflito é de forma consensual colocado na faixa dos oitocentos mil. Já na quantificação dos que - mais de quatro décadas depois - ainda estão vivos, as estimativas são bastante díspares.


Os veículos dessas informações são as várias associações de antigos combatentes (através da contagem dos associados e de informação recolhida junto da Segurança Social), o PAN e o Governo (estes dois últimos nem sempre revelam a fonte de informação).

Na ordem de grandeza desse número há dois paradigmas: até Julho de 2020 (tempo até ao qual se apontava para cerca de 485 mil antigos combatentes vivos, a cifra que ainda hoje é referência nas redes sociais) e o pós-Julho de 2020, em especial desde Abril de 2021 (quando essa avaliação prospectiva passou a variar entre os quase 200 mil e os "mais de 300 mil").

O que separa estes dois tempos de estimativas tão diferentes?

A preparação e aprovação de uma nova Lei (o Estatuto do Antigo Combatente) e a sua execução prática, ou seja, a monitorização do número dos seus beneficiários. Por isto mesmo, têm origem no próprio Governo previsões tão diferentes para o número de ex-combatentes vivos (incluindo militares presentes nas antigas províncias portuguesas na Índia, em Timor e nas missões humanitárias).

No mesmo ano (2019) mas em duas legislaturas diferentes (a XIII, que terminou em Setembro de 2019, e a XIV, que ainda decorre) foi discutido e aprovado o já referido Estatuto do Antigo Combatente (EAC).

Durante o primeiro Executivo liderado por António Costa, o Ministério da Defesa tomou a iniciativa política da criação do EAC. Quando anunciou, a 11 de Abril de 2019, que tinha sido aprovada em Conselho de Ministros a respectiva Proposta de Lei, referiu no comunicado: "O universo de Antigos Combatentes – definido pela Lei 9/2002 (alterado em 2004 e 2009) – é actualmente de cerca de 485 mil cidadãos, com uma média de idades de 72 anos."

Por falta de sustentabilidade financeira para as medidas previstas nesse Estatuto - após as alterações aprovadas em sede de comissão parlamentar pelos partidos da oposição, o Governo acabou por deixar cair a proposta em Julho, no final dessa legislatura.

No início da seguinte (a actual), vários partidos apresentaram Projectos de Lei que retomavam a formalização de um EAC. Num deles, o do PAN, de Novembro de 2019, pode ler-se: “A aprovação deste Estatuto é uma medida de elementar justiça para com os 485 mil antigos combatentes que (…) vivem em condições sociais muito preocupantes”.

Também as associações dos ex-combatentes tinham como padrão, nesse período, os 485 mil elementos vivos. Manuel Moreira Rodrigues, presidente da Associação dos Antigos Combatentes do Ultramar Português, explicou ao Polígrafo a razão para tal: "Este foi o número indicado pela Caixa Geral de Aposentações em 2019, quando quisemos saber junto da Segurança Social quantos éramos. Desde aí, não houve mais nenhuma actualização e não tivemos outra referência em que nos possamos basear."

O EAC acabou por ser mesmo aprovado em Julho de 2020. As consequências financeiras das medidas por si fixadas obrigaram o Executivo, primeiro, a realizar previsões do número de beneficiários a abranger e, depois, já este ano, ao balanço dos que já fizeram prova dessa condição.

É nesta dupla operação, sempre realizada pelo Governo, que os números são completamente distintos, muito abaixo da cifra inicial, e impossíveis de justificar com a pandemia (em Portugal morreram cerca 17.200 pessoas de Covid-19 desde Março de 2020).

Logo no mês da aprovação do EAC, a Secretária de Estado dos Recursos Humanos e Antigos Combatentes, Catarina Sarmento e Castro, referia que "antigos combatentes são mais de 300 mil" e que o número total de 400 mil "era fiável" se contabilizadas também as viúvas.


Em Abril deste ano, após o Tribunal de Contas autorizar o contrato para a produção dos cartões de antigo combatente – instrumento de identificação essencial, recém-criado pelo Estatuto -, a governante reafirmou estes números (“trezentas e muitas mil pessoas”) quando discursava na inauguração do memorial ao Combatente de Caldas das Taipas – Guimarães.

Questionado sobre os dados atuais, o gabinete de comunicação do Ministério da Defesa Nacional (MDN), esclareceu que "até ao passado dia 23 de Julho, e em pouco mais de três meses, foram enviados mais de 200 mil cartões de Antigo Combatente e de Viúva ou Viúvo de Antigo Combatente para as moradas dos destinatários. Deste total, cerca de 190 mil dizem respeito a antigos combatentes e mais de 14 mil a viúvas ou viúvos de antigos combatentes". Um número muito aquém dos 485 mil, ainda que o MDN preveja bastantes mais pedidos e afirme que "calcula um universo total de quase 400 mil antigos combatentes, incluindo viúvas e viúvos".

O número que, para já, pode ser garantido é o de cerca de 200 mil, contingente que o Governo acredita poder ascender aos "quase 400 mil" (mas com viúvas incluídas). Sublinhe-se que este valor diz respeito a todos os abrangidos pelo Estatuto do Antigo Combatente (não apenas quem esteve nas trincheiras de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau).

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