Olá excelsos e excelsas.
Segue este alerta em jeito de conselho, do meu amigo Pinto, homem do Norte e como tal portista dos sete costados, camarada de tarefas árduas no palco da guerra colonial em Moçambique que a lotaria juntou, por termos nascido ali bem a meio do passado século.
O que os nossos progenitores se haviam de ter lembrado, “ fazer máquina” (truca truca no léxico indígena), em 1950 com resultados que serviram para criação de carne para canhão, uns anos depois.
Como sempre, o Pinto está atento ao que o rodeia, não vai em cantigas e em vez de perder tempo a espreitar a Correio da Manhã TV e outras alienações que pululam por aí como cogumelos nas primeiras águas outonais (os célebres tortulhos designação cá no meu Alentejo) e vai dar com programas de outro nível como este que nos aconselha.
Se ainda não estiverem completamente “depenados”, (embora para lá caminhem, descansem) para poderem aguentar alguns canais de qualidade, vejam o programa aconselhado pelo Pinto e ao mesmo matem saudades daquela terra onde deixámos um bocado de nós, mas não viemos sós, trouxemos também um bocado deles, da sua pobreza endémica, do seu batuque, da sua fome, mas também das suas aspirações de um dia poderem ser “gente grande” como o eram, na altura, os “engenheiros dos Cabora Bassa”.
Bem sei que na TV só poderão apreciar aquele país em macro, com muitas imagens vindas do céu.
Mas como nós gostaríamos de voltar a recordar a paisagem vista da terra , em micro, não a física mas a humana, aquela dos sentimentos, da camaradagem das experiências vividas, das aspirações ali sonhadas que havíamos de concretizar quando acabasse o pesadelo.
Recordaríamos, entre tantas, as mais intensas, aquelas que a chegada com pezinhos de lã do alemão não conseguirá dissipar e irão connosco para a eternidade.
O dia da nossa chegada em Agosto de 1972 àquele buraco do fim do mundo perigoso e traiçoeiro
Os primeiros contactos com os nativos e o seu modo de viver
O batuque de fim de semana, numa prova incrível de resistência, alimentado pela cachaça, mistura de néctares que fermentados de forma ancestral, punham a cabeça grossa e adormeciam com as bebedeiras, os infortúnios da vida.
A Isaura, sempre disposta a abafar os suspiros, da testerona insubmissa de rapazes de 20 anos, no máximo dos instintos carnais, a troco de um punhado não de dólares, como no filme, mas de uma lata de sopa sobrante do rancho de almoço no aquartelamento.
A loucura do soldado Peres que ameaçou o comandante de G3 na mão por este lhe negar umas cervejas para levar para o degredo do Machesso, onde se aventurou a tomar conta de umas milícias locais, aculturando-se no batuque e nos casamentos com mulheres de vergonhas ao léu, em troca de latas de sardinha de conserva.
E também a mesma loucura do soldado Afonso, este por ser rês de maus instintos que por cisa de nada, correu a rajada de metralhadora já no Parque da Gorongoza o nosso capitão, homem bom e generoso de fim de comissão que não merecia tão imbecil hospitalidade .
Mas também recordaríamos a atitude de alguns mais esclarecidos politicamente como o Teixeira, homem de lutas no meio estudantil de Lisboa que a PIDE foi lá prender e o Marquês que no silêncio da sua amargura, escreveu páginas de protesto contra a guerra, no diário sempre escondido no fundo do baú, como aquela que li e jamais esqueci de chegar ao aquartelamento num Unimog ver crianças a pedir restos de comida, os outros a descerem e correrem em direcção ao banho e ele prontificar-se a recolher umas latas de conserva intragáveis, espalhadas no estrado da viatura, dar uma lata a cada criança no fim beijar uma delas e receber dela como resposta num português arcaico à moçambicana
Nunca vi nada assim. U sinhori é mesmo muito boa pissoa.
Pronto, não escrevo mais. Quando recordo o Marquês fico logo com uma lágrima no canto do olho.
Com os melhores cumprimentos
José Abílio Mourato
Portalegre
Obrigado amigo Pessa por divulgares tudo o que se relaciona com a nossa passagem por Moçambique. Abraço
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