terça-feira, 20 de abril de 2021

AMIGOS HÁ CINQUENTA ANOS

Foi no dia 21 de abril de 1971 que o velho Niassa partiu do Cais de Lisboa, levando-nos a Moçambique; bodas de ouro, não propriamente para celebrar, mas para recordar um tempo que nunca passou despercebido a cada um dos homens do BCaç. 3843. Uma amizade que amadureceu, tendo começado no RI 15 em Tomar. O já impróprio Niassa não tendo as condições dignas para transportar pessoas, foi um espaço de relações humanas a que não deixaremos de ser sensíveis.

Passado este longo tempo, hoje quero dirigir uma palavra amiga e uma saudação a todos os que fizeram parte deste contingente militar, particularmente o nosso Batalhão e a companhia de intervenção dos Madeirenses que se juntou à CCS, na Chipera, pouco tempo depois.

Embora estivesse a “residir” na CCS, na Chipera, mantive com frequência algum contacto, nas visitas que fazia, com a 3355 da Estima e a 3357 da Chiringa. Sempre recordarei muitos acontecimentos passados nestes espaços da vida militar em ambiente de prevenção. Não deixarei de lembrar o Capitão Melo da Estima, o Capitão Raimundo e o alferes Mendes da Chiringa que infelizmente já não estão meio de nós; o mesmo aconteceu já com o Capitão Rodrigues e o Tenente Silva da CCS e tantos outros que sempre terei na minha memória. Não posso também esquecer a Companhia 3356 de Cantina de Oliveira que foi connosco e o seu Capitão Jeremias que também já partiu, este de modo violento. Lembro ainda os alferes Gaspar de Leiria e Medeiros de Pombal, que também já partiram há alguns anos; e outros cujos nomes não consigo lembrar.

Quero transmitir uma palavra de amizade e de reconhecimento ao nosso Comandante Coronel António Lopes Figueiredo, pela sua proximidade, frontalidade, pedagogia militar e compreensão dialogante. O mesmo digo do Coronel Emídio Sousa Vicente, diferente certamente, mas um Militar com dignidade e frontalidade na relação com todos. Recordo ainda todos os Oficiais, Sargentos, Furriéis, Cabos e Soldados com quem tantas vezes estive e dialoguei, nas referidas Companhias, em todos os momentos difíceis e também em todos os momentos de descontração. Embora a minha missão fosse diferente era complementar. Com todos muito aprendi. A todos peço desculpa pelo que devia ter feito de melhor.

Os que já partiram, pertencentes às várias companhias, quer os que tombaram naquelas terras quer os que já faleceram depois de regressarem, que estejam em paz e que todos nós aprendamos com eles. A todos recordamos nas Eucaristias dos nossos encontros anuais.

Há cinquenta anos partimos sem saber o que nos iria acontecer… mas muitos de nós hoje continuamos a viver… recordando tantos momentos, alguns bem difíceis; queremos manifestar uma atitude de gratidão uns aos outros e todos a Deus. Fomos e viemos; mas agora a nossa luta é outra.

Hoje não quero discutir a guerra por que passámos; quero apenas pensar naquelas vidas sempre em perigo certamente, com a coragem nem sempre reconhecida, mas nunca esquecida. Momentos difíceis, alguns, mas que fizeram criar amizades, que nunca o tempo apagará. A amizade iniciada em momentos difíceis, nunca mais tem fim; ajudar-nos-á na luta da vida e no fazer caminho constante.

Lembro também alguns acontecimentos, não meramente pontuais, mas decorrentes da nossa estadia ali e que ainda hoje recordamos:

Era interessante ver aquelas filas de crianças e jovens que todos os dias, logo após as refeições, acorriam ao aquartelamento com os recipientes muito primitivos para levaram uma sopa. A sua alegria era bem clara e a nossa de alguma forma também.

A distribuição de roupas e outras ofertas que fazíamos algumas vezes ao longo do ano, junto à capela, cavada no embondeiro. Mais uma obra, não de arte, mas do trabalho de equipa. O que fizemos na escola primária, que no espaço dum ano quadruplicou o número de crianças. As várias ações com as populações, desde a preparação para a agricultura nos campos, onde os nativos podiam semear o milho, a captação de água e tantas outras ações, que só nos dignificaram.

Na parte final da nossa missão, agora na Zambézia, a camaradagem descontraída, os mergulhos na piscina e as “bazucas” que bebíamos e tantos outros momentos continuam gravados na nossa memória. Aquela terra rica do chá licungo, cuja área era sensivelmente igual à de Portugal Continental, sem ambiente de guerra, foi para todos nós uma descontração e até uma atitude lúdica. 

Tantos acontecimentos que, se fossem escritos, dariam um bom livro para nos abrir mais os horizontes da nossa vida e de muitos dos nossos amigos.

Que os nossos encontros anuais, por enquanto confinados, possam recomeçar. São sempre momentos únicos para lembrar o que passou e reforçar a amizade que continua a animar-nos.

Para todos um grande abraço com os votos de muita saúde, bastante descanso e o dinamismo de quem quer continuar a viver. 

O ex-Capelão

P.e Augusto Gomes Gonçalves


 



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