quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

PEQUENAS ESTÓRIAS DA GRANDE HISTÓRIA

À dias recebi uma mensagem electrónica de um camarada, que também esteve em Chipera e que aqui já foi referenciado. Trata-se do nosso amigo e camarada José Abílio Mourato, que diz o seguinte:
Olá amigos das lides guerreiras, nos princípios dos anos 70, em Chipera, Moçambique.
Também para outros que não estiveram na guerra mas que terão sensibilidades para apreciar o tema. Então hoje vou brindá-los com 2 histórias, para recordarmos aqueles tempos que tanto nos marcaram.
A primeira refere-se a uma reportagem publicada há pouco tempo no EXPRESSO, dando conta de uma actividade bizarra que se desenvolve na Barragem de Cahora Bassa, que é a cria-ção de crocodilos para aproveitamento industrial das peles e alimentar vaidades, com escoamento garantido na África do Sul. É numa zona junto ao regolfo da barragem a que chamam de CHICOA NOVA, e que para além da criação de crocodilos, está transformada num centro de pesca artesanal.
Como sabem, a CHICOA que nós conhecemos e onde passávamos de batelão para a outra margem do Zambeze, ficou debaixo de água e agora surgiu agora a CHICOA NOVA, mais para Sul.
Esta reportagem de 19-11-2011 foi publicada na Expresso Revista pelo consagrado jornalista José Pedro Castanheira.
Por entender que talvez pudesse ter algum interesse para os demais, achei por bem trazê-la ao vosso conhecimento, quanto mais não seja por ser uma notícia de Moçambique.
Como o artigo é extenso, logo tornava-se quase impossível publica-lo neste espaço, de modo que para o caso de estarem interessados em o ler, alojei-o no Google em regime aberto no seguinte endereço:

https://docs.google.com/open?id=0B-ggxqul6RrZjlkMzE1NmQtOGYyZi00NGMxLThhNmItYTJmNTEyYzFjYmM0


A segunda versa o seguinte:
Há dias enviei-vos uma foto com a Isaura da Chipera a qual, como sabem, dispensa apresen-tações. Pois bem, os da C.CAÇ 4241, já conheceram a Isaura “integrada” no aldeamento, mas ela parece que tinha sido capturada no mato e ali acantonada sob a tutela da tropa, à boa maneira idealizada pelo KAÚLZA na estratégia de conquistar as populações.
O nosso amigo Pessa do B.CAÇ 3843, que esteve na Chipera antes de nós, fez-me chegar um relato engraçado sobre a Isaura, que a seguir transcrevo a história:

“Caro Mourato, obrigado pela tua mensagem.
Agradeço sobretudo a oportunidade de ter visto ao fim destes anos (mais de 40) a Isaura.
A minha história com a Isaura é fantástica.
Nós tínhamos um soldado cozinheiro que estava “encarregue” de a alimentar. Ela tinha sido capturada no mato e como na altura tinha parido o filhote, perdeu o leite e as mamas secaram.
Claro que tratamos de tudo desde a alimentação do puto até a sobrevivência da Isaura, a exemplo do que acontecia com a demais criançada que com as suas latas, todo o dia na hora do almoço se juntava ao portão do aquartelamento, esperando ansiosamente o momento em que um soldado os guiásse até junto do refeitório dos soldados, onde aí lhes era distribuído a alimentação sobrante.
Até aqui nada de mais. A parte engraçada surge agora.
Um certo dia fui a TETE e lembrei-me de trazer um vestido novo e um "soutien", para a Isaura, dado que ela só tinha uns trapos.
Como ela não tinha mamas solucionei o problema e arranjei maneira de preencher o espaço com espuma. Ficaram uma beleza por assim dizer.
Entretanto tinha chegado a Chipera, integrado numa coluna qualquer. Depois do jantar, juntamente com outros camaradas fomos dar uma volta pela aldeia e fizemos escala na palhota da Isaura. Ofereci-lhe o vestido e o "soutien". Ela ficou de tal forma contente e espantada com as ofertas, que foi logo a correr  vestir o seu traje novo bem como o "soutien".
A cara dos camaradas a observarem a Isaura, agora mais composta, qual modelo de passarele, era de se fotografar! Lamentavelmente, por ser noite, não andava de máquina ao pescoço.
Ela estava um espanto, até parecia outra. Os naturais olhavam-na de maneira diferente, como se uma artista se tratasse.
Findos estes anos todos, chego à conclusão que valeu a pena todo aquele trabalho, só para admirar os olhos, não só da Isaura, mas de todo o grupo, que agora começava a ver a Isaura com outros olhos. Valeu a pena ter consegui fazer alguém feliz.
De roda da fogueira, bebendo uns tragos de uma qualquer bebida no momento, a noite foi entrando e lá regressámos ao quartel mais bem dispostos e de certa forma felizes.
Por incrível que pareça nunca tirei uma fotografia da Isaura e somente ao fim destes anos o Mourato, trás-nos uma foto, que agora publico.

No dia em que a CCS embarcou nas viaturas para efectuar a viagem com destino a TETE, a Isaura queria vir também connosco. Foi um castigo e uma trabalheira para a sossegar.

Comentário do Mourato: 
O primeiro é que nos mostra como o ser humano mesmo vivendo naquelas condições miserá-veis sabe identificar as boas e as más acções, A Isaura soube reconhecer o gesto altruísta dele, que não se confundia com os  dos outros que a procuravam sempre com as mesmas intenções malévolas.
O segundo reconhecimento, este mais brejeiro, vai para o facto do Pessa lá tão atrás, nos anos 70, ter sido um visionário da modernidade em que agora vivemos. Então não é que soube col-matar a falha da natureza, que não preencheu o espaço onde deviam estar as mamocas da Isaura para a plena funcionalidade do soutien, com os recursos naturais ao seu dispor.
Ainda estas de agora se queixam da má qualidade do silicone francês !!!!!!!
Forte abraço do Mourato